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sexta-feira, 28 de agosto de 2009

33ª. ARTE

ARTE

Na sua acepção mais ampla a réxvn dos gregos, a ars dos latinos e a Kunst dos alemães davam idéia de perícia, de habilidade adquirida em paciente exercício e voltada para um fim definido, fosse esse fim estético, ético ou utilitário. De acordo com o objetivo que tivessem, as artes se dividiam inicialmente em Belas-Artes buscavam o belo, as Artes de Conduta o bom e as Artes Liberais o útil. No sentido moderno, mas restrito, o termo arte só abrange as atividades humanas que se voltam para o estético, isto é, para as Belas-Artes. Num sentido figurado podemos falar na arte da guerra, na arte de cozinhar ou na arte de viver. Mas nenhuma dessas “artes” entraria numa lista séria das artes estáticas - arquitetura, escultura e pintura, com suas subdivisões - e as artes dinâmicas da música, da poesia e do teatro.
Limitada assim, a arte conserva seu sentido inicial de perícia adquirida em duro exercício da paciência - que levou os antigos a exclamarem com tristeza que a arte é longa e a vida breve - mas desafia uma definição completa. A arte passa a ser, em suma, a busca da beleza. Como, porém, definir a beleza? Existem cânones de beleza, mas ligados a suas épocas e a uma cultura determinada. É certo que as obras de arte não envelhecem, mas é impossível definir sua eternidade como fruto exclusivo de perícia e habilidade. Veja-se o caso de um dos supremos artistas de todos os tempo, Leonardo da Vinci. Ainda admiramos como curiosidade e como provam da grandeza geral do seu espírito os desenhos que deixou de uma máquina voadora e os pioneiros trabalhos de conforto doméstico que introduziu no palácio dos seus patronos.
Mas são brinquedos de criança precoce comparado aos aviões a jato e á calefação central.
Sua “Mona Lisa”,


no entanto, e sua “Ceia” são obras que não se deixam explicar pela imensa perícia e habilidade do pintor.


Inúmeras vezes, na história, a atividade artística tem sido considerada como supérflua e daí vai apenas um passo a considerá-la como obrigada a servir os objetivos da sociedade, ou, por outras palavras, do governo do dia. Da República de Platão, que censurava ou bania os artistas, á imensa irritação de Lênin com os poemas de Maiakovski (Só permitia deles uma pequena tiragem “para os bibliófilos e os excêntricos”) e á cólera com que Kruchtchov fulminou pelas críticas á Revolução contidas no Doutor Jivago, há todo um arco de desconfiança em relação a esses estranhos seres, os artistas, que voltaram para dentre o de si mesmos perícia e habilidade e produzem formas válidas como expressão do íntimo de todos os homens. Numa comunidade ocupada em produzir bens de produção e de consumo, o artista parece um parasita, que nada produz. No entanto, em relação á comunidade, está, na frase de James Joyce, forjando a consciência da raça. E nada perpetua melhor uma civilização do que sas formas artísticas que inventa.

Dois elementos parecem fundamentais á criação da obra de arte universalmente válida: a liberdade do indivíduo e a vitalidade do povo em que nasceu. Explicando sua tese da chamada literatura comprometida, ou littérature engagée, Jean-Paul Sartre deixou bem claro que não vê como literatura obrigada, do artista atrelado a um dogma. O próprio artista compromete sua arte, isto é, governa sua própria liberdade, mas para valorizá-la ao máximo. Mas ainda, a absoluta liberdade do escritor só se realiza e se completa na absoluta liberdade do leitor: “Vocês tem plena liberdade de deixar este livro sobre a mesa. Mas se o abrirem, ficam responsáveis por ele”. Só o impulso ético pode impor uma limitação consentida á criação estética, porque a obra de arte, continua Sartre, em Situations II, “é uma Paixão, no sentido cristão da palavra, isto é, uma liberdade que se põe resolutamente em estado de passividade para obter, por esse sacrifício, um certo efeito transcendente”.
O segundo elemento é a vitalidade do povo comunicada ao artista. Não são as épocas felizes do outono dos povos que produzem a arte mais profunda e orgânica e sim as épocas perigosas e brilhantes - a Grécia de Tucídides, a Florença de Dante, a Inglaterra elizabetana e a Ibéria do tempo dos descobrimentos. Se quase cada artista tem sua definição de arte de Wordsworth, de “emoção relembrada com serenidade”. São épocas de arte como emoção apanhada em pleno vôo e pulsando ainda de vida e paixão. É proverbial o fato de que Dante, na Divina Comédia, o mais belo dos poemas jamais escritos, tenha povoado o inferno de tantos desafetos seus. Talvez esses grandes artistas das grandes épocas caibam melhor na definição de arte que tem Malraux no prefácio de Lê Temps du Mépris: a tentativa “de dar aos homens consciência da grandeza que ignoram em si mesmos”.

A função da arte é criar beleza. Mas a beleza não é ornamento dispensável e sim uma necessidade fundamental do ser humano. Os mais primitivos índios do Xingu fazem suas panelas em forma de animais e pintam até as pás que a arte só floresce onde há felicidade e conforto. Mesmo uma criança pobre e triste fará desenhos na areia da primeira praia que pisar. E mesmo no horror da sua breve vida amenina Ana Frank criou uma obra de arte com seu diário. Sem a indefinível arte que fixa o Livro de Jô, o Bhagavada-Gita, os hinos de Zoroastro. Através da infinita mutação dos estilos dos conceitos de proporção e de harmonia, a arte, em cada fase da história da humanidade, impõe uma ordem ao mundo e dá novas formas á angústia dos homens.



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