Somos Arte

domingo, 22 de agosto de 2010

O Papel da Arte


Texto Retirado do "quadro - Ser ou Não Ser" exibido pela rede Globo no Fantástico.

“Acabou tudo. Perdi minha família, perdi a liberdade, perdi o que tinha, dentro da cadeia”, conta Marcos Mariano.


Como lidar com o sofrimento não merecido?


“Sempre fui um pai carinhoso, um bom esposo. Trabalhei só para me dedicar à minha família”, diz ele.


Marcos Mariano, ex-mecânico e motorista de táxi, passou 19 anos na cadeia por um crime que não cometeu.


“Eu fui suspeito de um homicídio”, revela ele.


Marcos conhecia a vítima e teve o azar de ser visto perto do local do crime. Foi o que bastou para ser preso.


“Os policiais o prenderam sem existir um mandado, sem existir qualquer processo contra ele, sem existir um inquérito, sem existir absolutamente nada”, conta Afonso Bragança, advogado de Marcos.


“Nunca toparam uma ficha minha, nem uma briga minha na escola. Quando eu fiz a primeira comunhão - até isso foi revisionado na minha vida. Como é que eu estava pagando por aquilo, porque não tinha motivo, não tinha origem alguma para eu ser preso por uma coisa que não pratiquei”, diz Marcos.


O ex-mecânico passou seis anos, de 1976 a 1982, no Presídio Aníbal Bruno, em Recife, à espera do julgamento.


“É um lugar que a pessoa entra e já tem um funcionário do estado para perguntar: ‘Em caso de morte, comunicar a quem’”, conta ele.


Existem situações tão insuportáveis e além da nossa compreensão que a única coisa que podemos fazer diante delas é gritar. A arte pode ser esse grito. Mas o que é arte?


“Acho que é uma forma de se expressar”, “Botar a sensibilidade para fora”, “É pra quebrar a monotonia, a rotina”, “Arte é o que o meu filho faz em casa, terrível” – Essas são algumas das definições que as pessoas dão para a arte.


Mas que importância ela tem para a sua vida?


Esta pergunta tem muitas respostas. Uma delas foi formulada pelo filósofo alemão Nietzsche, que estudou a Grécia antiga. A Grécia foi o berço da civilização ocidental. Há mais de 2,5 mil anos, os gregos produziram na arte, literatura, ciência e filosofia uma grandiosa coleção de obras-primas, que estabeleceu os padrões de nossa cultura.


Nietzsche dizia que o povo grego era marcado por uma grande sensibilidade ao sofrimento e, ao mesmo tempo, tinha um grande talento artístico. Por isso, para tornar a vida mais intensa e alegre, os gregos criaram a arte da aparência e da beleza.


Nego é um artista que veio do sertão do Ceará e aprendeu a fazer esculturas na terra. Há 24 anos ele literalmente cultiva o belo: “Eu me divorciei de tudo para seguir essa trilha da arte. Eu tenho que cuidar das esculturas, podar, molhar, porque se não for assim, ela vai desidratar e morre”, explica ele.


Assim como Nego, os gregos acreditavam que a beleza era uma mistura de harmonia, ordem e proporção. Por isso, eles construíram uma civilização sustentada no equilíbrio. O ideal de vida era a moderação. "Nada em demasia" - era uma idéia que servia de contraponto à violência dos instintos e paixões.


Mas depois de muitos anos cultuando a beleza, os gregos perceberam que as perdas e as dores não poderiam ser evitadas para sempre. negar o sofrimento é negar a própria vida.


“Não, eu não me sinto um perseguido. Eu não me sinto, porque o perseguido, ele se sente quando ele praticou. Porque a pessoa que não fez aquilo, ele acredita na vitória dele”, afirma Marcos Mariano.


Em 1982, o verdadeiro culpado confessou o crime e Marcos foi libertado. Mas três anos depois, aconteceu o que ninguém poderia imaginar. Mesmo inocente, o ex-mecânico voltou para a prisão. O motivo: Marcos teria violado a liberdade condicional de uma pena que nunca existiu.


“Ninguém acreditava na minha verdade”, lamenta ele.


E assim, o ex-mecânico ficou esquecido na penitenciária por mais 13 anos. A mulher e os 10 filhos não acreditaram na inocência dele.


“Minha família me deixou, minhas filhas disse que eu virei um criminoso”, recorda.


Marcos também ficou cego durante uma rebelião na penitenciária, atingido por um estilhaço de bomba de gás lacrimogêneo.


Diante de uma situação arrasadora, como a que Marcos viveu, a gente costuma se perguntar: por que isso acontece? E por que comigo? A dor, muitas vezes, não é conseqüência de um grande erro, mas de pequenas faltas que qualquer um poderia cometer. Este tipo de sofrimento, não merecido, era o tema das chamadas tragédias gregas.


O teatro, no Ocidente, nasceu da tragédia grega. Sófocles, Ésquilo e Eurípides foram os principais autores trágicos. Eles criaram tramas que até hoje são adaptadas para o teatro, cinema e a TV.


Em 1987, Dias Gomes adaptou para a novela "Mandala" a história de Édipo que, sem saber, mata o pai, se casa com a mãe e fura os próprios olhos, como punição.


As tragédias gregas, como "Antígona", representam as desgraças mais terríveis que se pode viver. As grandes questões da vida, que permanecem ao longo dos séculos, são discutidas em cena: a relação do homem com o tempo, a morte, a lei, com as suas paixões.


Mas por que o sofrimento na vida real é tão terrível, e na arte se tornaria uma espécie de prazer? Schiller, filósofo e dramaturgo alemão, do século 18, diz que estar emocionado nos dá prazer, mesmo quando essa emoção é dolorosa. A dor, quando é experimentada como arte, nos deixa comovidos.


Mas por que o sofrimento na vida real é tão terrível e na arte se tornaria uma espécie de prazer? Schiller, filósofo e dramaturgo alemão do século 18, diz que estar emocionado nos dá prazer, mesmo quando essa emoção é dolorosa. A dor, quando é experimentada como arte nos deixa comovidos.


A gente só é capaz de se comover com a própria dor quando aprende a se distanciar dela. A arte cria este afastamento. Numa peça ou filme, por exemplo, você chora pelo herói, fica arrasado, mas na verdade, você está sentado numa cadeira. E o ator não está sofrendo de verdade. É um jogo.


“Se você dá o grito, se você dá o tiro em cena, se você fala a frase maldita, você cura a platéia de ter que dizer isso na casa dela, de ela ter que ferir alguém, de ela ter que atirar em alguém”, diz a atriz Christiane Torloni.


Por tudo isso, a função da tragédia grega era, para Nietzsche, produzir alegria. Ao contrário do que parece, quando o homem se relaciona com a dor, por meio da arte, ele se fortalece. A tragédia é uma afirmação da vida.


“O artista é aquele que pula o abismo pela platéia”, define Torloni.


Marcos ganhou em segunda instância do governo de Pernambuco o direito a uma indenização de R$ 2 milhões, mas ainda cabe recurso do estado. Hoje, vive com outra mulher, que conheceu na prisão.


“Eu estou satisfeito porque provei à sociedade, para a minha família, para as minhas filhas, e para aquela esposa cruel - ex-esposa cruel, que nós somos divorciados - que eu não seria um criminoso. Nunca tinha sido um criminoso. Nunca fui, nem sou”, afirma ele.


“Se ao artista vive a dor que tem que ser vivida, ele é o antídoto da dor no peito na platéia”, diz Christiane Torloni.


O homem precisa de algum conhecimento para sobreviver. Para viver, ele precisa de arte.


Que tal uma lição de casa para o próximo domingo? Você acha que tudo na vida muda o tempo inteiro? Ou existem coisas que não mudam nunca? Você é o mesmo desde criança ou a cada dia é uma pessoa nova? O que se transforma constantemente, e o que é eterno? É o que vamos falar no próximo episódio.


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